Mister Barrick, o Velho Jack, deixou saudades nos gramados
gaúchos
Luís Fernando Veríssimo lembra dele apitando grenais, e o
citou em uma de suas crônicas. Carlos Heitor Cony, jornalista e escritor, já
falecido, recordava o gol do Brasil contra o Uruguai que ele anulou pela antiga
Copa Rio Branco. O certo é que sua figura faz parte da história do futebol
gaúcho, brasileiro e sul-americano nos anos que se seguiram ao término da
Segundo Guerra Mundial.
Seu nome: Cyril John Barrick, o “velho Jack”, que o Correio
do Povo definiu como “o consagrado e
fleumático árbitro britânico que tanto bem anda fazendo ao futebol gaúcho”,
o “número 1 do mundo”.
Ninguém sabe exatamente – ou talvez alguém ainda saiba – como
o “velho Jack” chegou ao Rio Grande do Sul naquela segunda metade dos anos
quarenta, já consagrado como um juiz de primeira grandeza no futebol inglês. O
que se presume é que numa Inglaterra devastada e empobrecida pela Segunda
Grande Guerra ele tenha resolvido procurar trabalho em querências mais pacíficas
e ensolaradas e onde o esporte bretão também era amado, o que já acontecia com
colegas seus. O velho Jack, a julgar pelas fotos, já deveria contar os seus
quarenta e tantos anos quando deixou a Velha Albion castigada pelos bombardeios
nazistas e veio para a América do Sul ganhar uns trocados para sustentar a
família que ficara na Europa.
O certo é que aqui o “velho Jack” ganhou respeito e deixou
saudades por onde passou e apitou, em especial no Rio Grande do Sul, estado que
foi, tudo indica, sua porta de ingresso no mundo futebolístico sul-americano. Versátil
e disposto a tudo por um punhado de libras que remetia todo mês para a família,
Mister Barrick apitou tanto jogos da seleção brasileira como partidas amistosas
em surrados e toscos campos de futebol. Ter Mister Barrick apitando era uma
espécie de certificado de qualidade. Exótico e famoso, o Velho Jack virava uma
atração à parte.
Ao que parece, Mister Barrick foi inicialmente contratado
pela Federação Rio-grandense de Futebol para apitar os jogos do campeonato
citadino. Mas, malandramente, bem no jeitinho brasileiro, esta passou a
emprestá-lo a outros centros do País. Assim o velho Jack apitou nos Eucaliptos,
na Baixada, em São Januário, no Pacaembu, no Maracanã, no estádio da Timbaúva,
na Chácara das Camélitas, na Colina Melancólica... Apitou jogos do Brasil
contra outras seleções e apitou clássicos platinos, onde também tinha fama. A
Federação gaúcha o emprestava, cobrava por isso, e nem sempre repassava o
dinheiro ao fleumático e tolerante inglês.
Quantos anos ficou Mister Barrick no Brasil? Será que voltou
para a sua Inglaterra ou resolveu se aclimatar nos trópicos? O mais provável é
que tenha voltado: cansado da desorganização do futebol brasileiro e das
promessas não cumpridas, às vezes o Velho Jack botava a boca no trombone, como
em abril de 1950, alguns meses antes da Copa no Brasil. Conforme o Correio do
Povo noticiou, Barrick estava insatisfeito e, pior, sentia-se explorado pelos
dirigentes esportivos gaúchos:
“Por ocasião de sua recente ida a Caxias do Sul, a convite do
presidente do Nacional, que é também presidente do Departamento de Futebol da
Capital, o laureado apitador britânico queixou-se amargamente da maratona a que
estava sendo submetido, atuando várias vezes em uma semana, por ocasião da
temporada do Peñarol em nossos gramados. A um dos nossos cronistas, Mister
Barrick alegou sentir dores na coxa direita, à altura dos rins, dizendo a
impossibilidade em que se achava de continuar a apitar partidas fora dos termos
do compromisso, ou seja, mais de três durante uma semana. Mister Barrick chegou
a falar em rescisão do contrato, caso fosse obrigado a trabalhar além das suas
forças. Agora o Departamento de Futebol da Capital acaba de tomar outra
deliberação que está merecendo crítica nos círculos esportivos. É que os clubes
uruguaios, Nacional e Peñarol, solicitaram por empréstimo a presença do Velho
Jack em campos orientais para um torneio quadrangular que pretendem realizar
juntamente com clubes brasileiros. Os maiorais do nosso futebol de pronto
aquiesceram, condicionando-o a uma questão de data e, mais, exigiram 25 mil
cruzeiros por arbitragem, devendo o apitador, por sua vez, perceber 5 mil
cruzeiros em cada uma.”
“Isso quer dizer, pura e simplesmente, que o Departamento de
Futebol da Capital resolveu que os clubes uruguaios venham a pagar os
honorários de Mister Barrick pelos próximos quatro meses, com a visível
economia de 100 mil cruzeiros para os clubes”
E assim conclui o Correio do Povo: “Ora, Mister Barrick não é
nenhuma criança, e qualquer dia, quando achar que está sendo mal empregado, não
terá dúvida alguma em pedir a rescisão do seu contrato a fim de continuar o seu
verdadeiro apostolado esportivo em qualquer outro centro mais adiantado do que
o nosso e onde não sirva unicamente de atração para rendas, ou – o que é pior –
para evitar que os clubes tenham que entrar com dinheiro para suprir as
modestas arrecadações auferidas com as não menos modestas exibições de seus
esquadrões de profissionais..."
É, o Velho Jack, o apitador número 1 do Mundo, deixou
saudades em terras gaúchas, mas será que nós deixamos saudades nele?