7 de Novembro de 1935: morre Eurico Lara, a lenda tricolor
“Porto Alegre, ontem,
quando despertava para a sua atividade diária, recebeu uma notícia
contristadora: no hospital da Beneficência Portuguesa, falecera, às 7:10 horas,
o grande arqueiro Eurico Lara, indiscutivelmente a maior glória desportiva do
Rio Grande do Sul”.
A notícia, publicada com grande destaque na página 9 do
Correio do Povo de 7 de novembro de 1935, quinta-feira, tinha um título emblemático
que resumia o significado desse homem nascido em Uruguaiana e que se tornou uma
lenda do futebol gaúcho: “Eurico Lara, o
player mais glorioso do Rio Grande do Sul, faleceu ontem, nesta capital”.
Ontem, no caso, era uma quarta-feira do histórico ano do
centenário da Revolução Farroupilha e o Lara imortal que falecia na Porto
Alegre de menos de 250 mil habitantes e três emissoras de rádio, contava apenas
37 ou 38 anos de idade – na página da Wikipédia, enciclopédia digital, consta
que havia nascido 24 de janeiro de 1897, enquanto os jornais, inclusive o
Correio, lhe davam um ano a menos – teria nascido em 1898. Seja como for, em
sua curta e gloriosa existência, Eurico Lara Fonseca, casado com dona Maria
Cândida e pai da menina Odessa, de 12 anos, defendeu apenas as cores de um
clube de futebol – o Grêmio Futebol Portoalegrense, agremiação na qual jogou
durante 15 anos e onde era tão amado e idolatrado a ponto de Lupicínio
Rodrigues, ao compor o hino tricolor em 1953, ter nele incluído os seguintes
versos: “Lara, o craque imortal, soube o
seu nome elevar, hoje com o mesmo ideal, nós saberemos te honrar”.
Lara chegou ao Grêmio em 1920, ainda na época romântica em
que não havia futebol profissional no Brasil, indicado por olheiros tricolores
impressionados com aquele “goal-keeper” do Sport Clube Uruguaiana que pegava todos
os chutes e era aplaudido de pé até pelos adversários. Em 1922, já famoso por
aqui, foi ao Rio defender o selecionado do Exército nacional nas comemorações
esportivas pelo centenário da Independência do Brasil, e saiu-se tão bem que,
ao final do torneio, recebeu um telegrama do próprio Ministro militar,
cumprimentando-o por sua incrível atuação. Também quase lendários foram os mais
de 20 chutes que defendeu de Friendereich, o maior craque e primeiro grande astro
esportivo brasileiro. O jogo foi realizado no Parque Antartica entre os
selecionados paulista e gaúcho e ao final uma multidão invadiu o gramado para
cumprimentar o incrível arqueiro gaúcho capaz de tantas proezas milagrosas.
Em crônica não assinada, publicada no Correio do Povo daquele
7 de novembro de 1935, e intitulada “A
Glória de Lara”, um repórter escreveu: “Lara
morreu pobre, sem nada deixar além de um nome, na época precisa em que o
futebol está recheando o bolso dos utilitaristas. Quando meio mundo se
locupleta com os proventos da profissão, o jogador mais querido e mais glorioso
dos pampas deixa apenas uma trilha limpa, percorrida à custa de muito
sacrifício e de incomum espírito de abnegação e de renúncia. Ídolo brasileiro,
acima de tudo, esse moço jamais perdeu a modéstia que trouxe do berço, da
gloriosa Uruguaiana. Nasceu pobre para morrer entre os humildes. Vezes sem
conta atuou sob influência do mal que lhe minava o corpo. Sob dores hepática,
saltava como um felino dentro daquele retângulo que só ele sabia defender. E
nunca teve uma imprecação, nem deixou transparecer o menor sofrimento. E ontem
finalmente morreu como morrem os bons: sem um gemido, de mansinho, sem mesmo
ter tempo para um último gemido. O Rio Grande do Sul, envolto em crepe, antes
de chorar canta e exalta no dia de hoje a glória imortal de Eurico Lara.”
Lara tinha tuberculose havia três anos, em um tempo em que
não havia penicilina ou estreptomicina e a chamada doença dos poetas e dos
artistas dizimava milhões de pessoas em todo o mundo. Sua última atuação pelo Grêmio foi mais uma
página de glória: o histórico Grenal de setembro de 1935, decidindo o
campeonato da cidade no ano festivo do centenário da Revolução Farroupilha,
vencido heroicamente pelo Grêmio por dois a zero. Lara saiu de campo para ser
hospitalizado na Beneficência Portuguesa, onde encerrou a vida como o maior
mito da história do imortal tricolor – a bem da justiça, nem Renato Portalupi,
ídolo da era modera, o supera na linha do tempo.
No dia 8 de novembro, ainda repercutindo a morte do mito, o
Correio do Povo publicou uma foto em que Lara aparece no momento em que sofreu
o último gol da sua vida – precisamente o dia 15 de setembro de 1935, data da
comemoração dos 32 anos do chamado “clube da Baixada”. Em jogo contra o Força e
Luz pelo campeonato da Associação Metropolitana Gaúcha de Esportes Atléticos,
AMGEA, uma espécie de liga dos clubes de Porto Alegre e arredores, Lara, atrás
de Luiz Luz, não consegue defender o chute de Negrito.
Eurico Lara foi campeão citadino de 1920, 21, 22, 23, 25, 26,
1930, 31, 32, 33 e 35 e campeão gaúcho dos anos de 1921, 22, 26, 1931 e 32.
Ídolo das famílias e das crianças, que sonhavam um dia “ser Lara”, foi sepultado
com a bandeira do Grêmio e o seu funeral em carro público praticamente parou
Porto Alegre. Infelizmente, não existe qualquer registro fonográfico ou cinematográfico
deste homem incrível que dizem ter sido o maior goleiro que o Rio Grande do Sul
e que entrou para a história como “o goleiro dos goleiros”, simplesmente “a
Lenda”.